domingo, 24 de abril de 2011

Onde e como experimentar o Cristo vivo?


O episódio dos discípulos de Emaús é texto exclusivo de Lucas (Marcos sintetiza a cena, cf. Mc 16,12-13). Pertence aos acontecimentos pós-pascais e responde à pergunta: onde e como experimentar o Cristo vivo? De fato, no que Lucas relata antes do texto de hoje (24,1-12) transparece a incredulidade e perplexidade dos discípulos. Num plano mais amplo, o episódio revela as dificuldades de muitos cristãos em aceitar a ressurreição de Jesus, pois o evangelho não quer simplesmente narrar fatos do passado, mas iluminar as dificuldades do presente (lembramos que o Evangelho de Lucas se destinava a cristãos de cultura grega, para os quais a ressurreição da matéria era um absurdo).

Antes de entrarmos no texto de hoje, algumas observações de conjunto nos permitirão entendê-lo melhor. Em primeiro lugar, há nítido contraste entre Jerusalém e Emaús. Jerusalém foi o lugar do testemunho de Jesus (morte na cruz). De lá, animados pelo Espírito do Ressuscitado, os discípulos sairão para o testemunho. Sair de Jerusalém sem crer que lá é o lugar da vitória do Senhor é caminhar sem rumo e sem sentido. Por isso, Emaús é sinônimo da cegueira, da não compreensão do evento da Páscoa. Em segundo lugar, há contraste entre o não reconhecimento de Jesus por parte dos discípulos (v. 16) e o pleno reconhecimento (v. 31). Em terceiro lugar, o contraste está no fato de Jesus se aproximar e conversar com os discípulos (v. 15) e desaparecer da frente deles (v. 31). Finalmente, há grande contraste entre os conteúdos da conversa dos discípulos antes de Jesus caminhar com eles (v. 14) e depois que reconheceram Jesus (v. 32). A gente então se pergunta: o que foi que causou – e continua causando – essa reviravolta na vida desses discípulos e na vida dos cristãos?

a. Jesus é aquele que caminha com a humanidade (vv. 13-16)
É o dia da ressurreição (v. 13), mas os dois discípulos não entenderam os acontecimentos dos dias anteriores. Para eles, Jerusalém é o lugar da derrota de Jesus. Por isso eles vão para Emaús, desanimados como quem perdeu o sentido da vida. O texto não permite localizar geograficamente Emaús. Algumas variantes do texto grego situam esse lugar a 11 quilômetros de Jerusalém; outras a 30 quilômetros. Mas isso não é importante. O importante é notar o seguinte: Para Lucas, Jerusalém é o lugar onde Jesus venceu; para os discípulos de Emaús, é o lugar da derrota e da morte. Ir a Emaús não é somente ir para casa, mas abandonar o projeto de Deus.

Ora, é nesse contexto de perplexidade e desânimo que o Ressuscitado se faz presente como força revolucionária. Jesus é aquele que caminha com a humanidade, com a energia de sua vitória sobre a morte. A perplexidade e desânimo dos discípulos se manifestam no teor da conversa (v. 14). Revelam o estado de ânimo de uma comunidade desorientada, sem força para o testemunho. É com esse tipo de comunidade que Jesus se põe a caminho.

b. Jesus revela à comunidade o sentido de sua morte e a vitória da ressurreição (vv. 17-27)
A comunidade desorientada não experimenta a vitória do Ressuscitado. Percebe os fatos, mas não os discerne. Jesus pode estar caminhando com ela, mas ela não o reconhece. De fato, no diálogo de Jesus com os discípulos, percebe-se que eles conhecem os fatos referentes à vida de Jesus antes e durante a paixão; manifestam suas expectativas em relação à libertação (v. 21) e sua frustração diante da morte na cruz (v. 20). A referência ao terceiro dia após a morte de Jesus (v. 21) sela essa frustração sem expectativas. De fato, acreditavam que, depois do terceiro dia, o espírito se afastaria definitivamente do corpo, sem possibilidade de retorno. A morte teria tomado conta de Jesus e da comunidade. Nem sequer o testemunho das mulheres, o túmulo vazio, a mensagem dos anjos e a própria constatação de que o sepulcro está vazio (vv. 22-24a; cf. 24,1-12) são razões que mereçam crédito: “Ninguém o viu” (v. 24b). Nem mesmo a presença de Jesus caminhando com eles é capaz de fazer reconhecê-lo!

Eis, então, que Jesus apresenta o primeiro instrumento que suscita a fé na ressurreição – a Bíblia: “Começando por Moisés e continuando pelos Profetas, explicava para os discípulos todas as passagens da Escritura que falavam sobre ele” (v. 27). Moisés e os Profetas significam, aqui, todo o Antigo Testamento. Jesus é a chave de leitura de todo o Antigo Testamento. É o perfeito exegeta do Pai (Jo 1,18). Mostra-lhes, com base no Antigo Testamento, que o projeto do Pai tomou forma definitiva no Messias sofredor.

c. Jesus é aquele que partilha e comunica a vida (vv. 28-32)
Cativados pela palavra de Jesus, os discípulos convidam-no para que seja hóspede deles: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” (v. 29). Aqui é preciso ir além da simples constatação de que, como em diversos lugares do mundo, na Palestina a noite cai depressa. O pedido dos discípulos é o próprio apelo da comunidade cristã. De fato, quem sairia prejudicado pela noite que se aproximava: Jesus ou os discípulos? Estes, apesar de terem uma casa onde ficar, acabariam privados da luz que é Jesus. Nesse sentido, o apelo dos discípulos está bem próximo de outra invocação das primeiras comunidades: “Vem, Senhor Jesus!” (Maranathá, cf. Ap 22,20).

Jesus aceita o convite em solidariedade à comunidade. De fato, de hóspede passa a ser dono da casa, o anfitrião, pois é ele quem lhes dá o pão: “Sentou-se à mesa com os dois, tomou o pão, o abençoou, depois partiu e o dava a eles” (v. 31). Temos nesse versículo os termos técnicos que indicam a eucaristia. É o segundo instrumento que leva à fé em Jesus ressuscitado: a partilha, a comunicação da vida. E é também o momento decisivo, porque os olhos dos discípulos se abrem e eles reconhecem Jesus (v. 31) nestes dois meios fundamentais: a Sagrada Escritura e a eucaristia. Daí em diante é supérflua a presença física de Jesus. Ele desaparece porque a comunidade possui os dois sacramentos da presença dele: sua Palavra e seu gesto de partilha. Basta viver isso para sentir o Cristo vivo e presente em nosso meio.

d. O testemunho dos discípulos é o prolongamento da vitória de Jesus (vv. 33-35)
O dia da Páscoa se encerrou com a fração do pão, na qual os discípulos reconhecem Jesus (no mundo bíblico, o novo dia se inicia à noitinha). Estamos, pois, no amanhã da Páscoa, hora do testemunho da comunidade que experimentou a presença do Cristo ressuscitado no meio dela. Lucas salienta que a hora do testemunho se inicia imediatamente (cf. v. 33), levando os discípulos de volta a Jerusalém, lugar do testemunho de Jesus e lugar de onde, após o Pentecostes (At 2,1-11), os discípulos sairão para levar a mensagem ao mundo inteiro (Lc 24,47; cf. At 1,8).

Concluindo, podemos afirmar que a Palavra de Deus (Bíblia) e a partilha mudaram completamente a orientação de vida daqueles dois discípulos. Aquilo que Jesus fez com eles o faz também conosco hoje. Ele é a Palavra e o Pão partilhados. Quando aprenderemos que, sem partilha, fraternidade e solidariedade, estaremos caminhando num rumo que nos afasta sempre mais do testemunho de Jesus? [Vida Pastoral nº 253, Paulus, 2007]

Nenhum comentário:

Postar um comentário