domingo, 17 de abril de 2011

Comentando o Evangelho

Jesus, o Servo de Deus


Esse longo texto nos introduz no clima espiritual da Semana Santa, quando acompanhamos o processo de condenação e morte de Jesus. Ele é o Servo sofredor por excelência, que, mesmo abandonado pelo seu grupo íntimo, incompreendido e ultrajado, permanece fiel à sua missão.

O processo envolve a traição de Judas, um dos doze. Ele negocia a entrega de Jesus por 30 moedas, o valor de um escravo naquela época. Apesar de Jesus conhecer a decisão que Judas tomou, e sabendo também da tríplice negação de Pedro, não os exclui da ceia em que institui a eucaristia, sinal de sua presença viva nas comunidades e de sua plena doação pela vida do mundo. Judas vai arrepender-se de seu ato, mas não consegue superar o remorso. Prefere dar fim à vida. Diferente vai ser a atitude de Pedro, que, reconhecendo sua covardia, se arrepende e “chora amargamente”.

O relato ressalta a humanidade de Jesus em profundo sofrimento, no lugar do Getsêmani. Na sua total solidão, derrama sua alma diante do Pai, em quem pode confiar plenamente. Manifesta-lhe toda sua fraqueza, pede-lhe socorro e dobra-se à vontade divina, mantendo-se firme na decisão de concluir sua tarefa com todas as consequências. Os discípulos, que deveriam vigiar com Jesus e apoiá-lo nessa hora de extrema dor, preferem abandonar-se ao sono.

Jesus passou a vida fazendo o bem, fiel à missão que recebera do Pai. Sua fidelidade confronta-se com os grupos de poder, concentrados na capital, Jerusalém. O grupo da elite religiosa pertencente ao Sinédrio mantinha seu poder à custa da exploração do povo empobrecido, legitimando suas posturas com interpretações interesseiras da Sagrada Escritura. Apesar de anunciarem a vinda do Messias, conforme as Escrituras, não podiam conceber que essa promessa se cumpriria na figura de alguém despojado de poder e solidário com os fracos e pequeninos. Não só isso: Jesus não adotou a mesma maneira dos rabinos de interpretar a palavra de Deus e toda a tradição de Israel. Seu lugar social era outro. E, por isso, era outro o modo de conceber as coisas. Enquanto a teologia oficial, com base no sistema de pureza, excluía da salvação as pessoas “impuras”, Jesus revela aos “impuros” o seu amor prioritário e oferece-lhes a salvação divina.

O Sinédrio, a instância religiosa judaica central para julgamento das pessoas suspeitas de crimes e de violações da Lei, procura achar um motivo convincente para condenar Jesus. Após muitos falsos depoimentos, apresentaram-se duas testemunhas (número mínimo necessário para a condenação de uma pessoa suspeita) que, também falsamente, depõem contra Jesus, dizendo que ele pregava a destruição do Templo. Foi motivo suficiente: Jesus mexera com o que havia de mais sagrado. Era por meio do Templo que o Sinédrio alimentava o seu poder.

As autoridades judaicas, porém, não tinham o poder de condenar uma pessoa à morte. Por isso, Jesus é levado à instância política ligada ao império romano. Pilatos é o seu representante. Nada percebe em Jesus que possa condená-lo. Até sua mulher lhe manda dizer que, em sonho (considerado o meio pelo qual Deus se manifesta), lhe fora revelado que Jesus era uma pessoa justa. Enfim, o inocente Jesus, por pressão da elite judaica, vai ser condenado. Pilatos lava as mãos e, no lugar de Jesus, solta Barrabás, acusado de assassinato.

A partir daí, Jesus vai sofrer toda espécie de humilhação. É a figura de um escravo sem defesa, entregue às mãos dos zombadores. É desnudado, vestido com um manto vermelho, coroado de espinhos, com um caniço em sua mão direita, e cuspido no rosto; enquanto lhe batem na cabeça, é saudado como “rei dos judeus”, uma das acusações que o levarão à condenação. Simão Cireneu é requisitado para ajudar Jesus a carregar a cruz, pois ele se encontra muito enfraquecido. Quando crucificado, lançam-lhe injúrias, pedindo-lhe que salve a si próprio, já que anunciou a destruição do Templo, outra acusação no seu julgamento.

Eis o Servo na cruz, considerado “maldito de Deus”, conforme declara o texto do Deuteronômio (21,23). Porém, em seu sofrimento e em sua morte, paradoxalmente, manifesta-se a total solidariedade com os sofredores e realiza-se a redenção da humanidade. O véu do Templo se rasga de cima a baixo: o Santo dos Santos fica exposto. A morte de Jesus “liberta” a Deus, aprisionado pelo sistema religioso excludente. A morte de Jesus ressuscita os mortos. Sua morte resgata a vida de todos. Nessa mesma hora, é reconhecido pelo centurião e pelos guardas como “Filho de Deus”. (Celso Loraschi, Vida Pastoral nº 277, Paulus

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