domingo, 27 de março de 2011

Cristo, água para nossa sede


O tema da água que salva volta com freqüência na liturgia quaresmal. A partir deste domingo, a Igreja oferece à comunidade cristã que revive seu batismo uma síntese da história da salvação, servindo-se do rico simbolismo da água. 

A água tem sua linguagem 
Necessária para a existência de todos os seres vivos, a água é um elemento "natural" que nos é dado, não é fruto de trabalho: a água viva de uma fonte exprime também o milagre  renovado da vida. Fazendo brotar água da rocha, Deus se manifesta salvador de seu povo e o põe em condições de prosseguir a viagem até a terra prometida (1ª leitura). Repensando essas maravilhas de Deus nos momentos mais obscuros e difíceis de sua história, Israel projeta para um futuro mais ou menos distante a posse de uma terra de águas abundantes, na qual o deserto se transformará em viçoso pomar. A abundância de água se torna símbolo da abundante salvação que virá unicamente de Deus: um rio que brota do templo purificará o povo, saciará sua sede, fecundará a terra.  

No Novo Testamento, a água exprime simbolicamente o dom do Espírito para a geração de uma humanidade nova. Cristo, sobre quem desceu o Espírito no momento do batismo, anuncia um renascimento na água e no Espírito, promete uma abundância de água-Espírito para os que crêem (evangelho). Sua pessoa se identifica, pois, com a Rocha (como observava são Paulo, recapitulando os "sinais" do deserto, 1Cor 10,4), o novo Templo, a fonte que mata a sede na vida eterna. João vê o cumprimento do sinal na hora da morte-glorificação de Jesus, quando ele "entrega o espírito" e do seu lado traspassado correm sangue e água. 

A água do nosso batismo 
A água do batismo pode, portanto, lavar os pecados e fazer renascer os filhos de Deus em virtude do sangue de Cristo, fonte de todo perdão. Quem confessa que Cristo é o messias, o enviado de Deus, aceita que a salvação se faça da maneira e no momento querido por Deus; compreende que sua sede profunda só é saciada pelo dom de Cristo; toma-se, para os que o cercam como a mulher samaritana-, revelador da presença que tudo transforma (evangelho).

No momento do batismo, a Igreja, que através da catequese preparou a profissão de fé no Filho de Deus, recapitula em sua oração os acontecimentos salvíficos relacionados com a água e cumpre a ordem de Cristo: batizai em nome da Trindade. Assim, como gostava de repetir Agostinho, "pela união da palavra (da fé) com o elemento (água) realiza-se o sacramento", dom de Deus e livre resposta do homem. 

Sede de valores numa sociedade de consumo  
Encontramo-nos diante da sede de um povo no deserto, da sede de uma mulher no poço. A sede é símbolo de uma necessidade íntima, vital, torturante. Além da sede fisiológica há uma sede mais profunda em todo homem, em toda sociedade, em toda comunidade do nosso tempo: buscamos cada vez mais "coisas para sacia-la; nada nos basta, nada nos satisfaz. Nossa civilização só nos oferece "bens de consumo", não valores espirituais. Convida-nos ao oportunismo, ao mais fácil, mais seguro, mais cômodo. Os ideais de coerência, de sinceridade, de amor, que existem em todos os homens, são em geral frustrados, traídos por quem os propugna ou pelo indivíduo incapaz de resistir à pressão dos que o cercam. Todos falam do valor da colaboração, todos reconhecem que somos globalmente responsáveis pelo caminho da humanidade; no entanto, o que encontramos é insensatez, orgulho, instintos de domínio, de grandeza, inclinação para a agressividade, para um prazer ás vezes exacerbado,  incontrolado e irracional. Mas muitas vezes renunciamos, e justificamos a renúncia definindo os valores como "sonhos de adolescente". 

A revolta dos jovens tem sua raiz nessa sede não aplacada, nessa decepção por tudo que lhes é oferecido, tão distante das verdadeiras e profundas exigências do homem, que tem hoje maior consciência dos valores de fraternidade, justiça, amor, solidariedade. 
Não é a primeira vez que, no decorrer da história, o homem enfrenta desafios que põem em discussão modos de pensar e pedem soluções inéditas. Continuamente o homem faz a experiência de que aquilo que conquistou nunca é uma conquista definitiva. A técnica, as descobertas científicas não matam a sede de segurança, de esperança, de felicidade que todo homem sente. Lentamente, descobre ou tem a intuição de que só um "homem-infinito" pode dar-lhe o que busca no meio da confusão. [Missal Cotidiano, ©Paulus, 1995]

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