domingo, 27 de março de 2011

Comentando o Evangelho

Jesus e a sede da humanidade

a. Ao redor do poço (vv. 5-6)
Tudo começa ao redor do poço. Aí Jesus se encontra com uma mulher samaritana (para o surgimento dos samaritanos, em 722 antes de Cristo, cf. 2Rs 17,24-41. Formaram-se da miscigenação de israelitas com cinco povos estrangeiros e seus cinco deuses). O poço recorda muitos fatos do Antigo Testamento, entre os quais o poço em que o servo de Abraão encontrou Rebeca, futura esposa de Isaac (Gn 24,13ss); o poço onde Jacó se encontrou com Raquel (Gn 29,1-14); o lugar onde Moisés se encontrou com as filhas de Jetro, entre as quais Séfora, com a qual casou (Ex 2,16-21). O poço de Sicar é, pois, o lugar onde a humanidade encontra seu esposo e líder. As personagens acima recordadas se aproximaram do poço à tarde, e quem tinha sede eram os animais. No episódio de Sicar é Jesus quem tem sede, em pleno meio-dia. O meio-dia recorda, no Evangelho de João, a Hora de Jesus, a sua crucifixão, onde ele declara ter sede (cf. Jo 19,28).

Para o povo da Bíblia, o poço é símbolo da Lei, das instituições judaicas e da sabedoria. Nesse contexto, Jesus recorda um arranjo social que não satisfaz aos anseios do povo por liberdade e vida. Sentando sobre o poço, Jesus se dá a conhecer como fonte da qual a humanidade inteira bebe. A partir de agora não se deve mais beber água da Lei ou das instituições, porque foram superadas pela fonte de água viva que é Jesus.

Uma mulher sem nome se aproxima, ao meio-dia, para buscar água. Ela não tem nome porque é a própria humanidade que está procurando, no sufoco do calor, algo que sacie de uma vez por todas sua sede (lembremos as primeiras palavras de Jesus em Jo 1,38: “O que vocês estão procurando?”).

b. Quebrando o preconceito racial (vv. 7-15)
Jesus sente o que é próprio de todo ser humano: sede. E pede de beber. Com isso está começando a quebrar o preconceito racial. Judeus e samaritanos se detestavam mutuamente. Os judeus mais radicais haviam decretado o estado permanente de impureza das mulheres samaritanas. Pedir que essa mulher lhe dê de beber parece ser um ato insano por parte de Jesus. Mas ele está acabando com a pretensa superioridade dos judeus e dos homens sobre as mulheres. Dar água é a mesma coisa que acolher, dar hospedagem (normalmente os samaritanos negavam água aos judeus).

Jesus está com sede, mas quem acaba pedindo água é a mulher, pois ele tem água capaz de saciar para sempre a sede de todos: “Se você conhecesse o dom de Deus e quem é que está dizendo a você: Dê-me de beber, você é que lhe pediria, e ele lhe daria água viva… Aquele que beber da água que eu vou dar, esse nunca mais terá sede” (vv. 10.14a). Jesus é o presente de Deus que a humanidade precisa conhecer. Os judeus acreditavam se aproximar de Deus mediante o conhecimento e a prática da Lei. Jesus, aquele que revela o Pai, mostra-o presente nas relações de fraternidade e gratuidade.

A água que Jesus dá é o Espírito, a força que vem de dentro e jorra para a vida eterna. A mulher-humanidade tem sede dessa água, e por isso pede: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir mais aqui para tirar” (v. 15).

c. Quebrando o preconceito religioso (vv. 16-26)
A samaritana não tem nome, mas certamente vários nomes lhe foram impostos por ter tido cinco maridos e conviver com o sexto, que não é seu marido e, apesar disso, continuar com sede da água que só Jesus, esposo da humanidade, pode dar. Os cinco maridos podem ser tomados simbolicamente (cinco divindades), e o sexto seria o próprio Javé transformado em ídolo (linguagem simbólica de Oséias). Assim se entra no assunto religioso. Os samaritanos aguardavam um messias diferente – chamado Taeb – do esperado pelos judeus. Ao preconceito racial era acrescentado o religioso. Jesus acaba com esses preconceitos, mostrando que a época dos templos chegou ao fim, pois ele é o novo santuário de onde brota o Espírito fiel: “Está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores vão adorar o Pai em espírito e verdade. E, de fato, estes são os adoradores que o Pai procura” (v. 23).

d. O anúncio que leva à fé (vv. 27-42)
Os discípulos de Jesus continuam presos à mentalidade judaica que discrimina pela raça, sexo e religião. O verdadeiro discípulo – início da comunidade-esposa de Jesus Messias – é a samaritana, que, depois de abandonar o balde, anuncia aos habitantes da cidade seu encontro com um homem, levando as pessoas a conhecê-lo. O diálogo com os discípulos (vv. 31-38) mostra que o alimento de Jesus, sua nova lei, é levar a termo a criação do Pai, restabelecendo a harmonia perdida pela auto-suficiência humana. Jesus é, ao mesmo tempo, o semeador do projeto do Pai e o trigo a ser semeado. A experiência da mulher conduziu as pessoas a Jesus e fez deste o hóspede dos samaritanos. Agora, porém, eles não precisam mais do testemunho dela, pois sabem que Jesus é realmente o salvador do mundo (cf. v. 42). (Vida Pastoral nº 258, Paulus)

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