terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Carta MCC Brasil – Fevereiro 2015 – (174ª.)



“Como colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: ‘No momento favorável, eu te ouvi e no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 6, 1-2).  

Meus caríssimos leitores e leitoras,

Início do tempo litúrgico da Quaresma. Ao ler a afirmação do Apóstolo Paulo chamando a atenção dos coríntios para o “momento favorável”, poder-se-ia ficar com a impressão de que esse tempo seria favorável apenas naquele tempo.

 Entretanto, a cada início do tempo quaresmal, somos advertidos que o tempo é agora. Um tempo com suas características próprias e singulares. Um tempo de aceleradas transições culturais, sociais, políticas e religiosas. Um tempo de comunicação universal instantânea. Um tempo de violência e de desrespeito para com as pessoas. Um tempo de indiferentismo e relativismo religioso e, até, de agressividade ao que há de mais íntimo e sagrado às pessoas: a fé e a crença no Absoluto, isto é, num Deus único e verdadeiro.

Pois bem: este é o nosso tempo, o tempo do “momento favorável”, o tempo de salvação. Foi assim o tempo dos coríntios. É assim também este nosso tempo. E o tempo penitencial desta Quaresma lembra-nos as suas três práticas tradicionais: o jejum, a esmola e a oração.

a) Jejum. E se atualizássemos nossa penitência quaresmal, jejuando das longas horas desperdiçadas na internet? Ou abstendo-nos de cultivar uma mentalidade conformada com o “olho por olho, dente por dente”? Ou com o “aqui se faz, aqui se paga”? Ou com o “levar vantagem em tudo”? Ou, farisaicamente, aderindo à convicção de que a lei, mesmo sendo injusta, passa por cima da misericórdia?

            b) Esmola. Neste nosso “tempo favorável” não mais se trata de enfiar a mão no bolso para atirar uma moeda ao pedinte e, assim, acalmar a consciência, mas assumir, efetivamente, o espírito de caridade, solidarizando-se, como Jesus, com aqueles que mais sofrem e, como Ele, que “por toda a parte, andou fazendo o bem” (cf. At 10, 38b), também, nesta Quaresma, entregarmo-nos à prática efetiva da caridade e do amor fraterno;

            c) Oração. É a oração em que, num clima de recolhimento, dialogamos com o Pai, com as suas próprias palavras. Ultimamente, também o magistério eclesiástico vem insistindo na prática da lectio divina ou leitura orante da Bíblia. O Papa Bento XVI em sua Exortação Apostólica Verbum Domini, lembra os cinco passos fundamentais dessa leitura ou oração: 1) começa com a leitura (lectio) do texto: o que diz o texto bíblico em si?; 2) segue-se a meditação (meditatio): o que nos diz o texto bíblico?; 3) chega-se ao momento da oração: o que dizemos ao Senhor em resposta à sua Palavra?; 4) conclui-se com a contemplação (contemplatio) e interrogamo-nos: qual é a conversão da mente, do coração e da vida que o Senhor nos pede? 5) finalmente, a ação (actio): “Há que recordar ainda que a lectio divina não está concluída, em sua dinâmica, enquanto não chegar à ação (actio) que impele a existência do fiel a doar-se aos outros na caridade” (Cf. Verbum Domini 87).

Meus queridos irmãos e irmãs: permitam-me lembrar-lhes que de uma comprometida e consciente preparação quaresmal neste “tempo favorável”, vai depender uma santa celebração no “dia da salvação” pascal!

Retomemos, agora, nossos modestos comentários sobre a Evangelii Gaudium (EG), logo no início do início do capítulo III que poderia ser tido como o coração do Documento.

Capítulo III – O anúncio do Evangelho. Recolhendo uma densa afirmação do Papa João Paulo II aos Bispos asiáticos, o Papa Francisco nos lembra, nessa introdução ao capítulo III da EG, que “não pode haver verdadeira evangelização sem anúncio claro de Jesus” que define a evangelização como “o jubiloso, paciente e progressivo anúncio da morte Salvífica e da Ressurreição de Jesus Cristo”. Para toda a Igreja isso significa, em outras palavras, que não se pode e nem se deve “enfeitar” o anúncio de pessoa de Jesus com interpretações outras, alheias ao objetivo de sua missão entre nós. Ou, então, com desculpas de “adaptá-lo” à mentalidade moderna, mostrá-lo como se fora um fascinante “superstar” ou um midiático “showman” que anda conquistando fãs e não fiéis seguidores. A primeira parte desse capítulo traça uma espécie de itinerário do anúncio assim delineado:

01. Todo o povo de Deus anuncia o Evangelho (111-134). A evangelização é dever da Igreja e do povo peregrino evangelizador. A iniciativa é de Deus através do Espírito como primazia da graça que “deve ser um farol que ilumine constantemente as nossas reflexões sobre a evangelização” (EG 111-112). Prossegue esse parágrafo proposto nos seguintes densíssimos subitens:

a) Um povo para todos: a evangelização não é de uma elite, mas missão de todo o povo. Ser Igreja é ser povo de Deus, fermento e lugar de misericórdia gratuita “onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho” (113-114);

b) Um povo com muitos rostos: povo tem cultura ligada à natureza no contexto da vida social. Cultura fecundada pelo Espírito Santo e transformada pelo Evangelho. O cristianismo toma o rosto das diversas culturas e dos vários povos. Assim a Igreja assume os valores das diversas culturas e as embeleza.

c) Todos somos discípulos missionários: toda pessoa batizada é, naturalmente, sujeito ativo de evangelização. Deve crescer na formação, no aprofundamento e no como evangelizar. As imperfeições não são motivos de desculpas para não evangelizar. Cada cultura é protagonista de sua própria história e evangelização.

d) A força evangelizadora da piedade popular. Bento XVI diz que a piedade popular é um “precioso tesouro da Igreja”. Aparecida descreve-a como uma riqueza da ação do Espírito Santo. Na América Latina os bispos a chamam de espiritualidade ou mística popular. A piedade popular é a espiritualidade encarnada na cultura dos simples.

e) De pessoa a pessoa. “Hoje que a Igreja deseja viver uma profunda renovação missionária, há uma forma de pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário quando visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho” (127).

f) Carismas a serviço da comunhão evangelizadora. Os dons e carismas do Espírito Santo renovam e edificam a Igreja. O dom ou carisma se torna autêntico quando realizado em comunhão. As diferenças são incômodas, mas são suscitadas pelo Espírito Santo. Nele nossas diferenças são sempre conciliadoras e na unidade. O fechamento leva a impor a uniformidade e isto não ajuda a Igreja. A diversidade não ameaça a unidade, porque o Espírito é o mesmo.

g) Cultura, pensamento e educação. O Evangelho é transcultural e não se identifica com nenhuma cultura. Tomando a roupagem cultural, a Igreja não pode perder seu ardor. A fé não pode confinar-se dentro dos limites de uma única cultura. É o Espírito Santo que impele para a evangelização e para a santidade. Existe nos cristãos um instinto de fé que não os deixa errar. Aí está a importância da inculturação da Palavra, que vem do Espírito.

Na próxima carta, assim permitindo o Senhor, continuaremos com o importante e atual item 4. Uma evangelização para o aprofundamento do querigma (EG 160-175).
 
Para todos, meu abraço fraterno e as intenções de minha oração, sobretudo na lembrança da Eucaristia diária.
 
Pe. José Gilberto BERALDO

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