“Como
colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de
Deus, pois ele diz:
‘No momento favorável, eu te ouvi e no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento
favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 6, 1-2).
Meus
caríssimos leitores e leitoras,
Início
do tempo litúrgico da Quaresma. Ao ler a afirmação do
Apóstolo Paulo chamando a atenção dos coríntios para o “momento favorável”,
poder-se-ia ficar com a impressão de que esse tempo seria favorável apenas
naquele tempo.
Entretanto, a cada início do tempo quaresmal,
somos advertidos que o tempo é agora. Um tempo com suas características
próprias e singulares. Um tempo de aceleradas transições culturais, sociais,
políticas e religiosas. Um tempo de comunicação universal instantânea. Um tempo
de violência e de desrespeito para com as pessoas. Um tempo de indiferentismo e
relativismo religioso e, até, de agressividade ao que há de mais íntimo e
sagrado às pessoas: a fé e a crença no Absoluto, isto é, num Deus único e
verdadeiro.
Pois
bem: este é o nosso tempo, o tempo do “momento favorável”, o tempo de salvação.
Foi assim o tempo dos coríntios. É assim também este nosso tempo. E o tempo
penitencial desta Quaresma lembra-nos as suas três práticas tradicionais: o
jejum, a esmola e a oração.
a) Jejum.
E se atualizássemos nossa penitência quaresmal, jejuando das longas horas desperdiçadas
na internet? Ou abstendo-nos de cultivar uma mentalidade conformada com o “olho
por olho, dente por dente”? Ou com o “aqui se faz, aqui se paga”? Ou com o
“levar vantagem em tudo”? Ou, farisaicamente, aderindo à convicção de que a lei,
mesmo sendo injusta, passa por cima da misericórdia?
b) Esmola.
Neste nosso “tempo favorável” não mais se trata de enfiar a mão no bolso para
atirar uma moeda ao pedinte e, assim, acalmar a consciência, mas assumir,
efetivamente, o espírito de caridade, solidarizando-se, como Jesus, com aqueles
que mais sofrem e, como Ele, que “por
toda a parte, andou fazendo o bem” (cf. At 10, 38b), também, nesta Quaresma,
entregarmo-nos à prática efetiva da caridade e do amor fraterno;
c) Oração.
É a oração em que, num clima de recolhimento, dialogamos com o Pai, com as suas
próprias palavras. Ultimamente, também o magistério eclesiástico vem insistindo
na prática da lectio divina ou
leitura orante da Bíblia. O Papa Bento XVI em sua Exortação Apostólica Verbum
Domini, lembra os cinco passos fundamentais dessa leitura ou oração: 1) começa
com a leitura (lectio) do texto: o que diz o texto bíblico em si?; 2)
segue-se a meditação (meditatio): o que nos diz o texto bíblico?; 3)
chega-se ao momento da oração: o que dizemos ao Senhor em resposta à sua Palavra?;
4) conclui-se com a contemplação (contemplatio)
e interrogamo-nos: qual é a conversão da
mente, do coração e da vida que o Senhor nos pede? 5) finalmente, a ação (actio): “Há que recordar ainda que a lectio divina não está concluída, em sua
dinâmica, enquanto não chegar à ação (actio) que impele a existência do fiel a
doar-se aos outros na caridade” (Cf. Verbum Domini 87).
Meus queridos irmãos e
irmãs: permitam-me lembrar-lhes que de uma comprometida e consciente preparação
quaresmal neste “tempo favorável”, vai depender uma santa celebração no “dia da
salvação” pascal!
Retomemos, agora,
nossos modestos comentários sobre a Evangelii Gaudium (EG), logo no início do início
do capítulo III que poderia ser tido como o coração do Documento.
Capítulo
III – O anúncio do Evangelho. Recolhendo uma densa
afirmação do Papa João Paulo II aos Bispos asiáticos, o Papa Francisco nos
lembra, nessa introdução ao capítulo III da EG, que “não pode haver verdadeira
evangelização sem anúncio claro de Jesus” que define a evangelização como “o
jubiloso, paciente e progressivo anúncio da morte Salvífica e da Ressurreição
de Jesus Cristo”. Para toda a Igreja isso significa, em outras palavras, que
não se pode e nem se deve “enfeitar” o anúncio de pessoa de Jesus com
interpretações outras, alheias ao objetivo de sua missão entre nós. Ou, então,
com desculpas de “adaptá-lo” à mentalidade moderna, mostrá-lo como se fora um
fascinante “superstar” ou um midiático “showman” que anda conquistando fãs e
não fiéis seguidores. A primeira parte desse capítulo traça uma espécie de
itinerário do anúncio assim delineado:
01. Todo o povo de Deus anuncia o
Evangelho (111-134). A evangelização é dever da Igreja e do
povo peregrino evangelizador. A iniciativa é de Deus através do Espírito como
primazia da graça que “deve ser um farol que ilumine constantemente as nossas
reflexões sobre a evangelização” (EG 111-112). Prossegue esse parágrafo
proposto nos seguintes densíssimos subitens:
a) Um povo para todos: a evangelização não
é de uma elite, mas missão de todo o povo. Ser Igreja é ser povo de Deus,
fermento e lugar de misericórdia gratuita “onde todos possam sentir-se
acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do
Evangelho” (113-114);
b)
Um povo com muitos rostos: povo tem cultura ligada à natureza
no contexto da vida social. Cultura fecundada pelo Espírito Santo e
transformada pelo Evangelho. O cristianismo toma o rosto das diversas culturas
e dos vários povos. Assim a Igreja assume os valores das diversas culturas e as
embeleza.
c) Todos somos discípulos
missionários: toda pessoa batizada é, naturalmente,
sujeito ativo de evangelização. Deve crescer na formação, no aprofundamento e
no como evangelizar. As imperfeições não são motivos de desculpas para não
evangelizar. Cada cultura é protagonista de sua própria história e evangelização.
d) A força evangelizadora da
piedade popular. Bento XVI diz que a piedade popular é
um “precioso tesouro da Igreja”. Aparecida descreve-a como uma riqueza da ação
do Espírito Santo. Na América Latina os bispos a chamam de espiritualidade ou
mística popular. A piedade popular é a espiritualidade encarnada na cultura dos
simples.
e) De pessoa a pessoa.
“Hoje que a Igreja deseja viver uma profunda
renovação missionária, há uma forma de pregação que nos compete a todos como
tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra,
tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal que se
pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário
quando visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição permanente de
levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer
lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho” (127).
f) Carismas a serviço da comunhão
evangelizadora. Os
dons e carismas do Espírito Santo renovam e edificam a Igreja. O dom ou carisma
se torna autêntico quando realizado em comunhão. As diferenças são incômodas,
mas são suscitadas pelo Espírito Santo. Nele nossas diferenças são sempre
conciliadoras e na unidade. O fechamento leva a impor a uniformidade e isto não
ajuda a Igreja.
A
diversidade não ameaça a unidade, porque o Espírito é o mesmo.
g) Cultura, pensamento e educação.
O Evangelho é transcultural e não se identifica com nenhuma cultura. Tomando a
roupagem cultural, a Igreja não pode perder seu ardor. A fé não pode
confinar-se dentro dos limites de uma única cultura. É o Espírito Santo que
impele para a evangelização e para a santidade. Existe nos cristãos um instinto
de fé que não os deixa errar. Aí está a importância da inculturação da Palavra,
que vem do Espírito.
Na
próxima carta, assim permitindo o Senhor, continuaremos com o importante e
atual item 4. Uma evangelização para o
aprofundamento do querigma (EG 160-175).
Para
todos, meu abraço fraterno e as intenções de minha oração, sobretudo na lembrança
da Eucaristia diária.
Pe. José Gilberto BERALDO
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